Emoção e dedicação nos relatos de quem socorreu as vítimas da tragédia de Santa Maria
Enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem foram os heróis anônimos deste triste episódio.
O incêndio que ocorreu na madrugada deste sábado (26), na boate “Kiss”, situada no município de Santa Maria (RS), resultou em mais de 230 mortes e chocou toda a comunidade internacional, por figurar como o segundo maior incêndio da história brasileira. Desde os primeiros momentos, a cobertura jornalística está sendo completa e abrangente, mas é importante mostrarmos o lado oculto dessa história. É necessário conhecermos o trabalho dos heróis que estão atuando no cuidado direto às vítimas e suas famílias.
Tivemos uma série de conversas ao longo do dia na cidade de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, e selecionamos algumas histórias que podem ser citadas como exemplo de dedicação e de vida desses heróis, profissionais de enfermagem.
Segundo as informações prestadas pela enfermeira Lúcia do Couto Costa, Responsável Técnica do Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo, para onde foram levadas 47 vítimas do incêndio, a equipe de enfermagem e a equipe médica do hospital foram as primeiras a serem acionadas na noite da tragédia. “Nas primeiras horas do acontecido já estávamos recebendo a visita de diversos colegas dos municípios do entorno. Todos estavam extremamente comovidos e queriam ajudar de alguma forma. Alguns tinham inclusive recém-saído de seus plantões e ouviram a notícia na rádio, a caminho de casa”, conta Lúcia.
Para o enfermeiro Carlos Sangoi, que foi um dos primeiros a acolher os feridos que chegavam, “o que aconteceu naquela noite nunca sairá da nossa memória, fará parte da gente para sempre”. O enfermeiro conta que as primeiras informações foram desencontradas. Alguns falavam em tiroteio, outros em desabamento. Mas mesmo sem saber o que realmente havia acontecido, o barulho das sirenes das primeiras ambulâncias já faziam com que todos se dirigissem ao Pronto Socorro. “Lá o quadro era de guerra. Muitos jovens chegando já com parada cardíaca ou em início de parada cardíaca por causa da quantidade de fumaça inalada. Vi muitos colegas de enfermagem que moram nos municípios vizinhos, gente que estava dormindo, que estava de folga, que já tinha feito suas 12 horas. Todo mundo unido, em comoção. Trabalhamos as horas seguintes sem parar, ninguém pensava em comer, beber ou ir ao banheiro numa hora destas, tu esquece tudo e só quer salvar mais uma vida, pois cada momento pode ser definitivo”.
O técnico em enfermagem Jéferson Ferraz, do SAMU de Santa Maria, que trabalha no Hospital Universitário, esteve na primeira equipe de socorristas que chegaram à boate, ainda em chamas. Receberam a ligação da regulação de Porto Alegre às 3h24 da manhã. Ele contou que, quando chegaram, uma multidão saía de dentro do local, muitos com graves problemas respiratórios. Voluntários tentavam quebrar as paredes. Outras pessoas estavam sendo retiradas desmaiadas. Muitas pessoas foram transportadas em táxis e veículos particulares. Isso foi necessário, pois apesar das dez ambulâncias em deslocamento, eram muitas pessoas em estado grave. “O mais difícil é a decisão de quem vamos botar na ambulância primeiro. Precisamos deslocar quem ainda está vivo, quem ainda respira. Uma vida que ainda pode ser salva. Das vítimas, 95% estavam com asfixia”. Hoje à noite o técnico Jéferson voltará à ativa. O SAMU deve transportar de 12 a 16 pessoas até a Base Aérea, onde serão transportadas de avião ou helicóptero até Porto Alegre para serem encaminhadas a um leito através da regulação do município.
O enfermeiro Ronaldo Rubert, que também estava neste primeiro grupo, contou que nunca havia imaginado presenciar uma situação igual àquela. Porém, apesar do grande número de vítimas que não paravam de chegar, a equipe de enfermagem da instituição e os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem voluntários, que chegaram durante toda a noite, conseguiram realizar o trabalho com excelência. “Foi uma coisa instintiva, era como se falássemos por pensamento. Cada membro da equipe sabia o que deveria fazer, todos unidos, em harmonia. Sabemos que devemos manter um distanciamento profissional, temos treinamento para isto, mas naquele momento foi impossível. Era como se todos fossem parte da nossa família. Foi pessoal para mim!”
O enfermeiro Marco Aurélio Boch Pohns e a equipe do SAMU de Sapucaia do Sul chegaram ao local por volta das dez da noite de domingo. Apresentaram-se diretamente no Ginásio Municipal onde viram que a situação estava sob controle, com o número suficiente de profissionais de enfermagem. Então se deslocaram juntamente com os enfermeiros Kátia Lens e João Figueiredo para se juntarem à equipe do Hospital Universitário para revezar com os profissionais que já estavam há quase 16 horas trabalhando. “Foi comovente a solidariedade presenciada por todos nós. Chegavam voluntários de enfermagem de todas as partes. Vale dos Sinos, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Cacequi, Santa Cruz, Gravataí e Alvorada. Fomos como voluntários prestar nossos serviços, mas também haviam voluntários lá, cuidando para que nós não ficássemos sem água, para nos oferecer inclusive algum apoio psicológico naquele momento. A proporção desta tragédia abala qualquer um. Você vivencia todo o sofrimento destes familiares, todos com vítimas jovens”.
A técnica Elizângela da Silva estava na recepção do Hospital de Caridade onde os familiares chegavam com as fotos dos filhos nas mãos, desesperados para localizá-los. “Ajudávamos como podíamos, buscando de ala em ala, olhando no sistema. Alguns tinham sido transferidos para Porto Alegre, mesmo sem os parentes saberem, pelo estado de gravidade em que se encontravam”. Uma colega de Elizângela perdeu uma prima no incêndio. “Ela foi ao Ginásio reconhecer o corpo da menina e, mesmo abalada pela perda, voltou para o Hospital para trabalhar. Ela disse: preciso evitar que mais pessoas morram”. Para Elizângela, foi muita emoção ver todos trabalhando unidos.
Fonte: Fernanda Barth/Coren-RS/Cofen